terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Desinteresse


O olhar distante e meio perdido me chamou atenção. Deveria ter em média uns 20 a 22 anos, não, não passaria disso.  Estava sentada despojadamente na cadeira, mordia um pouco a unha do polegar, estava ali fisicamente, mas com certeza estava com o pensamento e os sentidos bem longe. Todos que estavam na sala liam ansiosamente a prova em cima da carteira, queria responder tudo certo, o futuro de cada um dependiam das respostas certas.... menos para ela
Era visível a sua falta de vontade em responder as questões, parou de olhar vagamente, talvez por perceber que eu a observava discretamente. Olhou as questões, às vezes balançava negativamente a cabeça, outras vezes dava um leve sorriso. Não se preocupava em responder, apenas lia, lia, lia...
Andei por entre os candidatos, alguns nem notavam a minha presença de tão concentrados que estavam. O primeiro dia de provas do vestibular é geralmente um dos piores, é uma junção de ansiedade, nervosismo, medo e uma prova extensa. O silêncio que fazia era um pouco incômodo, o único som era só o dos ventiladores.
Voltei a observar aquela candidata, ela parecia tão indiferente àquilo tudo que estava ao seu redor. Passei a achar que estaria fazendo um curso que não era o que realmente queria. Talvez os pais quisessem uma carreira para ela: medicina? Direito? Ou quis tentar algo que poderia ter um retorno: Enfermagem? Fisioterapia? Engenharia de Alimentos? E o que ela gostaria de fazer? Algo que lhe fizesse bem? Que queria para a vida toda? Não poderia responder, mas a única certeza é que definitivamente ela não queria está sentada ali.
As horas foram passando e o cansaço era evidente em todos. Ela balançava nervosamente uma das pernas, mexia-se na cadeira, prendia e soltava os cabelos, algumas vezes respirava fundo, pediu umas três vezes para beber água e ir ao banheiro, a insatisfação era visível. Provavelmente estava abrindo mão de um sonho...
Faltando 30 minutos para o término das provas avisei aos candidatos, uns apressaram nas respostas, outros começaram o preenchimento do gabarito, ela apenas me olhou e retornou à leitura. A sala começou a esvaziar-se, de vinte e oito iniciais restaram apenas uns doze e entre esses ela continuava lá, sentada, com aquele olhar distante, com aquela tristeza no rosto, esperando as horas passar. Acho que queria ter entregado as provas desde cedo, mas por algum motivo quis continuar ali, talvez ate os últimos minutos. Faltando 10 minutos para recolher os cadernos de respostas e folha da redação avisei que eles não teriam muito tempo, e aqueles que não haviam preenchido o gabarito que o fizesse, para o meu alívio ela começou a fazê-lo.
Ao término do tempo, eu pedi que os dois últimos saíssem juntos da sala, a maioria já havia terminado e apenas ela e outro rapaz estavam terminando, recebi as provas de outros dois candidatos e chegou à vez dela. Conferi as duas folhas de respostas, peguei os cadernos das provas e entreguei-lhe a folha de frequência para assinar, ela o fez e ao me entregar olhei para ela e disse com toda sinceridade
- Boa sorte!
- Obrigada – ela respondeu e antes de sair disse – É o que mais estou precisando.

Um comentário: